A Lanterna das Memórias Perdidas: Vale a Pena Ler?

Se tem algo que sempre me prende em um livro, é quando a premissa parece simples, mas se transforma em algo muito maior. E vou dizer que esses livros de “ficção de cura” sempre me surpreendem dessa forma. Eu sei, eu sei, geralmente parece um livro em que nada acontece (precisamos ser sinceros), mas ao mesmo tempo, isso me encanta demais. A Lanterna das Memórias Perdidas começa assim, como quem não quer nada.

O livro inicia com um estúdio fotográfico, um homem que trabalha lá, tudo aparentemente normal. Mas logo no primeiro capítulo, poucas páginas depois de você ficar “ué, o que tá acontecendo aqui?“, a história revela seu verdadeiro propósito e acaba surpreendendo.

Contexto

Hirasaka trabalha em um estúdio fotográfico, onde todos os dias recebe entregas de fotos, dentro de pacotes e caixas que podem variar de tamanho. O que isso tem de tão especial? Você pode estar se perguntando (eu me perguntei).

A quantidade de fotos determina quantos dias as pessoas viveram. O estúdio não é um estúdio comum; é um lugar intermediário entre a vida e a morte, e as pessoas que passam por ali acabaram de falecer. Hirasaka, então, é responsável por ajudá-las a passar por essa etapa, como um guia. Sua tarefa é profundamente simbólica: ele deve fazer com que cada pessoa escolha uma foto para cada ano vivido, para no final montar um tipo de “filme da vida”.

Sabe aquelas histórias de experiências de quase morte em que as pessoas dizem ter visto um filme passar diante de seus olhos? Aqui, isso acontece de forma consciente, meticulosa, quase ritualística, e quem escolhe essas imagens, é justamente a pessoa que viveu todas elas.

Mas há um mistério que ainda permeia pela história, uma coisa além: o próprio protagonista. Hirasaka não tem memórias de si mesmo, apenas uma única foto.

Ele não sabe como foi parar ali, nem o motivo. Seu maior desejo? Encontrar alguém que se lembre dele. E é justamente nesse dilema que a história se desenvolve: enquanto ele ajuda os outros a resgatar suas lembranças mais preciosas, ele próprio está preso no esquecimento.

Desenvolvimento da História e dos Personagens

A trama se desenrola em três partes, cada uma centrada em uma pessoa que Hirasaka ajuda na transição.

A primeira é uma senhora de mais de 90 anos. Esse foi um dos capítulos que mais gostei. Ela viveu intensamente, acumulou boas memórias e teve uma passagem bonita. Sua caixa de fotos era extremamente pesada, e eles passaram bons momentos conversando. Foi tranquilo, exatamente o tipo de despedida que todos gostariam de ter: uma vida bem vivida e uma partida serena.

O segundo é um homem da Yakuza. Esse foi o personagem mais intenso e, de certa forma, mais problemático. Ele chega ao estúdio revoltado, carregando mágoas e uma história de violência. Mas acaba sendo um personagem surpreendente, porque sua história não se desenrola da forma que se espera. Seu processo de seleção das fotos é carregado de conflitos internos (que são expostos de forma bem natural), e esse capítulo traz uma abordagem interessante sobre escolhas da vida, julgamentos, e conflitos.

Por fim, uma criança. Esse foi o capítulo que mais me deixou apreensiva. Achei que ia me debulhar em lágrimas, mas curiosamente, não chorei. O capítulo é extremamente pesado, mas a forma como ele se conecta às outras partes do livro traz um encerramento que, apesar de triste, é reconfortante. (Nota: Acho que o capítulo foi desnecessariamente pesado, mas tudo bem).

Escrita

A escrita segue o padrão dos livros de ficção de cura: contemplativa, com um tom poético em alguns momentos. No entanto, alguns recursos utilizados deixaram a leitura um pouco arrastada para mim.

Por exemplo, para criar um vínculo emocional com os personagens, o autor usa muitos flashbacks. Mas, em alguns momentos, esses flashbacks se multiplicam, criando um flashback dentro de um flashback, o que me fez perder um pouco o foco da narrativa. Em certos trechos, a livro toca a história com um ritmo fragmentado que, talvez possa ter sido intencional, mas no final das contas, tornou a leitura um tanto engessada.

Por outro lado, a forma como todas as histórias se entrelaçam no final é interessante, não acho que foi um elemento fantástico pra dentro da história, mas faz sentido dentro da proposta, ainda que não tenha me conquistado completamente.

Senti que a conexão entre os personagens poderia ter sido mais bem trabalhada, as histórias tinham muito potencial, e não sei se foi pelo estilo de escrita ou pela quantidade de informações, mas no fim, acabei não me conectando tão profundamente com eles quanto poderia.

Importante mencionar: um dos personagens parece ter sido escrito como autista, mas de uma forma extremamente estereotipada. Como uma pessoa autista, me incomodou a maneira como ele foi retratado. Alguns comentários reforçam visões negativas e clichês sobre o autismo. Provavelmente, se você não for autista ou não conhecer uma pessoa autista, esse detalhe passará despercebido. Mas, para mim, foi um ponto negativo significativo.

Minhas Impressões

Gostei da mensagem que o livro transmite. Ele nos faz refletir sobre memória, sobre como lidamos com o passado e o que realmente levamos da vida. A forma como a transição entre vida e morte é apresentada é muito interessante e me fez pensar bastante: quais seriam as fotos que eu escolheria para cada ano da minha vida? Como eu vivo minha vida? Quais memórias realmente importam? Será que eu lembraria de detalhes que hoje em dia eu esqueci mas que foram importantes e significativos pra minha vida? Para me fazer ser quem eu sou?

Porém, sendo sincera, não considero essa uma leitura marcante. Por exemplo, quando li Antes que o Café Esfrie, fiquei com as histórias e os personagens na cabeça por dias. Aquela leitura mexeu comigo. A Lanterna das Memórias Perdidas me fez refletir, mas não me tocou profundamente. Alguns trechos me marcaram, outros me deixaram confusa ou indiferente.

Mesmo com o autor tentando conectar todas as histórias no final, fiquei com a sensação de que muitas pontas ficaram soltas. A ideia é grandiosa, mas a execução deixa lacunas. Talvez, se o livro fosse maior, houvesse mais espaço para explorar melhor essas conexões.

Pra quem é “A lanterna das memórias perdidas”?

Gosta de histórias filosóficas sobre vida e morte, já leu livros de ficção de cura, e gosta desse ritmo mais “parado” e reflexivo. Mas, se você busca algo mais envolvente e bem amarrado, talvez seja melhor ajustar as expectativas. Eu recomendo a leitura, mas depende.

Autor: Sanaka Hiiragi
Título: A Lanterna das Memórias Perdidas
Ano: 2024
Número de páginas: 192
Idioma: Português
Editora: Bertrand Brasil
Gênero: Ficção contemporânea, Drama, Fantasia filosófica
Classificação Indicativa: Livre

  • Tropes no livro:
  •  Afterlife setting (ambientado no pós-vida)
  • Memory loss (perda de memória do protagonista)
  • Found family (personagens criando laços significativos)
  • Melancholy but hopeful (melancólico, mas com mensagens positivas)
  • Helping others to heal (ajudar os outros enquanto busca sua própria cura)
  • Mystery of the past (descoberta do passado do protagonista)
  • (Conheça mais sobre tropes aqui)

Onde encontrar: Amazon.

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